terça-feira, novembro 29, 2011

Fado: Património Imaterial da Humanidade

fado do punhal

agora é lancinante o fado alexandrino

perdidamente canta amor que não regresse

é na garganta um nó que nunca se destece

ou punhal que no peito enterre o gume fino


a sombra a desvairar na luz entrecortada

soluça ao exprimir quanto se amou demais

e quanto não se disse e quantas as vogais

a que morreu o som na voz estrangulada


a saudade faz seu um tempo de ventura

que o destino levou num rasto de poeira

e que nunca ninguém trará por mais que o queira

de volta e se trouxer é porque o desfigura


como alguém que dissesse amor de perdição

e se fosse embrenhar nos túneis na lembrança

é quando o coração descompassado avança

ao longo da espiral sombria da canção


fado crepuscular, penumbra de umas rosas

deixando um rasto só do seu perfume

e diluindo a cor do sangue no negrume

onde alastraram em vão palavras enganosas


agora é lancinante o fado alexandrino

perdidamente canta amor que não regresse

é na garganta um nó que nunca se destece

ou punhal que no peito o gume fino.

Vasco Graça Moura, in Letras do Fado Vulgar


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