agora é lancinante o fado alexandrino
perdidamente canta amor que não regresse
é na garganta um nó que nunca se destece
ou punhal que no peito enterre o gume fino
a sombra a desvairar na luz entrecortada
soluça ao exprimir quanto se amou demais
e quanto não se disse e quantas as vogais
a que morreu o som na voz estrangulada
a saudade faz seu um tempo de ventura
que o destino levou num rasto de poeira
e que nunca ninguém trará por mais que o queira
de volta e se trouxer é porque o desfigura
como alguém que dissesse amor de perdição
e se fosse embrenhar nos túneis na lembrança
é quando o coração descompassado avança
ao longo da espiral sombria da canção
fado crepuscular, penumbra de umas rosas
deixando um rasto só do seu perfume
e diluindo a cor do sangue no negrume
onde alastraram em vão palavras enganosas
agora é lancinante o fado alexandrino
perdidamente canta amor que não regresse
é na garganta um nó que nunca se destece
ou punhal que no peito o gume fino.
Vasco Graça Moura, in Letras do Fado Vulgar
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